segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Direto da Hipocrilândia: Zé Indivíduo e o espelho da verdade.



Direto da Hipocrilândia: Zé Indivíduo e o espelho da verdade.

Nas mediações do Universo do Mad, existe um local chamado “Hipocrilândia”. Neste lugar, como em vários outros, existe muita corrupção, exploração e uma população inteira à mercê de governantes mal-intencionados. Na “Hipocrilândia, como não poderia faltar, também existem aqueles que se indignam com tamanho descaso e, frequentemente, cobram por governantes mais decentes. Dentre esses “indignados”, chamo a atenção para um tal de “Zé Indivíduo”. O “Zé”, como era chamado, era um cara de família, tinha seu pequeno negócio e, pelo menos “de corpo”, costuma frequentar semanalmente o culto religioso no qual era devoto. Foi então em um desses encontros semanais, num dos raros momentos onde a vida das pessoas ao seu lado chamava menos a atenção que o culto em si, que ele rogou para seu deus pedindo:

__ Meu Deus! Reclamo tanto dessa corrupção e desses governantes desonestos, porém tenho visto que reclamar não está adiantando em nada.  Por favor, diga-me o que eu poderia fazer para começar de fato a mudar essa situação?

Foi então que, em um desses milagres bíblicos, desceu do céu o “Anjo da Autocrítica” e lhe ofereceu um “espelho”. Meio atordoado com o fato e confuso em relação ao objeto oferecido, ele questiona novamente seu deus:

__  Mas porque este “espelho”, meu Deus? Já tenho muitos em minha casa e este não me acrescentará em nada neste propósito de ter uma sociedade melhor.
Então deus, em uma voz ecoante, por intermédio de seu anjo, responde:

__  Mas este não se trata de um espelho comum, Zé! Este é o “espelho da verdade”, ele não mostra aquilo que você pensa ser e sim aquilo que você é.

Depois disso o “Zé Indivíduo” saiu da missa feliz da vida com um “espelho” de baixo do braço e logo foi para casa tentar usar o brinquedinho novo com o propósito de acabar com os males que acometem a sua querida “Hipocrilândia”. Chegando à sua casa ele pensou que o mais fácil seria primeiro identificar os malfeitores para, depois, cobrar com mais eficiência e de forma individualizada aqueles que seriam os supostos responsáveis pelo que vinha acontecendo nos últimos tempos. Inspirado em uma história que ouvira quando criança, dirigiu-se ao “espelho” e perguntou:

__”Espelho espelho meu”, quem na “Hipocrilândia” são os responsáveis pelo que aconteceu (e vem acontecendo)?

Foi quando, para a surpresa do “Zé Indivíduo”, apareceu a própria imagem refletida no espelho. Indignado ele exclamou:

__ Este “espelho” só pode estar com defeito! Sou um dos caras que mais repudia este sistema falido. Sempre que tenho a oportunidade exprimo minha indignação frente à desonestidade que impera nas atitudes dos nossos governantes. O excelentíssimo senhor “João Indivíduo” é quem deveria aparecer nesse “espelho”. Como governante, ele sim é um dos principais responsáveis pelas desigualdades que vivemos. Onde já se viu, um cara como o “João Indivíduo”, que burla o sistema a todo o momento, não aparecer refletido onde por hora aparece minha imagem. Definitivamente este “espelho” deve estar com defeito.

Com a certeza de que o que estava errado era a imagem projetada no “espelho” e não sua maneira de pensar, ele suplicou pela presença do “Anjo da Autocrítica” para que este consertasse o objeto. Então, o “Anjo da Autocrítica”, em mais um desses freqüentes milagres bíblicos, reapareceu. E para desespero do “Zé Indivíduo” disse que não havia nada de errado com o “espelho”. Com isso o “Zé Indivíduo”, já bastante impaciente e cego por seu egocentrismo, praticamente gritou:

__ Mas como é possível? Era para aparecer a imagem do “João”, ou de qualquer outro daqueles governantes corruptos. Eles sim burlam o sistema a toda hora e nos proporcionam essa sociedade medíocre e desigual.

Assim, o “Anjo da Autocrítica”, com toda a calma necessária para que desempenhe seu papel, pediu para que o “Zé Indivíduo” olhasse mais uma vez no “espelho”. Foi então que o “Zé” viu o que ele não havia visto antes. Viu o momento em que furava a fila de algum local, o momento em que não devolveu aquele troco que veio a mais, viu o lixo que ele jogava para fora da janela do seu carro, viu as próprias infrações que cometia ao dirigir e a tentativa de subornar o guarda, viu-se também tirando proveito do trabalho duro de outras pessoas para seu próprio beneficio, assim como o viu burlando o sistema em vários outros “pequenos” atos. Então, envergonhado, olhou para o “Anjo da Autocrítica” e disse:

__ Pode levar este “espelho”, já sei por onde devo começar.


(Por isso me pergunto. Até onde somos dignos de nossas cobranças? Até onde oferecemos aquilo que exigimos? Existe diferença entre o “pequeno burlar” e o “grande burlar” do sistema, ou trata-se apenas de uma questão de oportunidades? Infelizmente, os “Anjos da Autocrítica” andam meio sumidos e têm faltado “espelhos da verdade” numa sociedade onde sobram “espelhos da vaidade”. Não se deixe submeter ao conforto da hipocrisia nem a cegueira da ignorância. Exija de você o mesmo que você exige dos outros e sempre que possível ensine isso a suas crianças.)

MAD