Direto da Hipocrilândia: Zé Indivíduo e o
espelho da verdade.
Nas mediações do Universo do Mad, existe um local chamado
“Hipocrilândia”. Neste lugar, como em vários outros, existe muita corrupção,
exploração e uma população inteira à mercê de governantes mal-intencionados. Na
“Hipocrilândia, como não poderia faltar, também existem aqueles que se indignam
com tamanho descaso e, frequentemente, cobram por governantes mais decentes.
Dentre esses “indignados”, chamo a atenção para um tal de “Zé Indivíduo”. O “Zé”,
como era chamado, era um cara de família, tinha seu pequeno negócio e, pelo
menos “de corpo”, costuma frequentar semanalmente o culto religioso no qual era
devoto. Foi então em um desses encontros semanais, num dos raros momentos onde
a vida das pessoas ao seu lado chamava menos a atenção que o culto em si, que
ele rogou para seu deus pedindo:
__ Meu Deus!
Reclamo tanto dessa corrupção e desses governantes desonestos, porém tenho
visto que reclamar não está adiantando em nada. Por favor, diga-me o que eu poderia fazer para
começar de fato a mudar essa situação?
Foi então que,
em um desses milagres bíblicos, desceu do céu o “Anjo da Autocrítica” e lhe
ofereceu um “espelho”. Meio atordoado com o fato e confuso em relação ao objeto
oferecido, ele questiona novamente seu deus:
__ Mas porque este “espelho”, meu Deus? Já tenho
muitos em minha casa e este não me acrescentará em nada neste propósito de ter
uma sociedade melhor.
Então deus,
em uma voz ecoante, por intermédio de seu anjo, responde:
__ Mas este não se trata de um espelho comum, Zé!
Este é o “espelho da verdade”, ele não mostra aquilo que você pensa ser e sim
aquilo que você é.
Depois disso
o “Zé Indivíduo” saiu da missa feliz da vida com um “espelho” de baixo do braço
e logo foi para casa tentar usar o brinquedinho novo com o propósito de acabar
com os males que acometem a sua querida “Hipocrilândia”. Chegando à sua casa
ele pensou que o mais fácil seria primeiro identificar os malfeitores para,
depois, cobrar com mais eficiência e de forma individualizada aqueles que
seriam os supostos responsáveis pelo que vinha acontecendo nos últimos tempos.
Inspirado em uma história que ouvira quando criança, dirigiu-se ao “espelho” e
perguntou:
__”Espelho
espelho meu”, quem na “Hipocrilândia” são os responsáveis pelo que aconteceu (e
vem acontecendo)?
Foi quando,
para a surpresa do “Zé Indivíduo”, apareceu a própria imagem refletida no espelho.
Indignado ele exclamou:
__ Este “espelho”
só pode estar com defeito! Sou um dos caras que mais repudia este sistema
falido. Sempre que tenho a oportunidade exprimo minha indignação frente à
desonestidade que impera nas atitudes dos nossos governantes. O excelentíssimo
senhor “João Indivíduo” é quem deveria aparecer nesse “espelho”. Como
governante, ele sim é um dos principais responsáveis pelas desigualdades que
vivemos. Onde já se viu, um cara como o “João Indivíduo”, que burla o sistema a
todo o momento, não aparecer refletido onde por hora aparece minha imagem. Definitivamente
este “espelho” deve estar com defeito.
Com a certeza
de que o que estava errado era a imagem projetada no “espelho” e não sua
maneira de pensar, ele suplicou pela presença do “Anjo da Autocrítica” para que
este consertasse o objeto. Então, o “Anjo da Autocrítica”, em mais um desses
freqüentes milagres bíblicos, reapareceu. E para desespero do “Zé Indivíduo”
disse que não havia nada de errado com o “espelho”. Com isso o “Zé Indivíduo”,
já bastante impaciente e cego por seu egocentrismo, praticamente gritou:
__ Mas como é
possível? Era para aparecer a imagem do “João”, ou de qualquer outro daqueles
governantes corruptos. Eles sim burlam o sistema a toda hora e nos proporcionam
essa sociedade medíocre e desigual.
Assim, o
“Anjo da Autocrítica”, com toda a calma necessária para que desempenhe seu
papel, pediu para que o “Zé Indivíduo” olhasse mais uma vez no “espelho”. Foi
então que o “Zé” viu o que ele não havia visto antes. Viu o momento em que
furava a fila de algum local, o momento em que não devolveu aquele troco que
veio a mais, viu o lixo que ele jogava para fora da janela do seu carro, viu as
próprias infrações que cometia ao dirigir e a tentativa de subornar o guarda, viu-se
também tirando proveito do trabalho duro de outras pessoas para seu próprio
beneficio, assim como o viu burlando o sistema em vários outros “pequenos”
atos. Então, envergonhado, olhou para o “Anjo da Autocrítica” e disse:
__ Pode levar
este “espelho”, já sei por onde devo começar.
(Por isso me
pergunto. Até onde somos dignos de nossas cobranças? Até onde oferecemos aquilo
que exigimos? Existe diferença entre o “pequeno burlar” e o “grande burlar” do
sistema, ou trata-se apenas de uma questão de oportunidades? Infelizmente, os
“Anjos da Autocrítica” andam meio sumidos e têm faltado “espelhos da verdade”
numa sociedade onde sobram “espelhos da vaidade”. Não se deixe submeter ao
conforto da hipocrisia nem a cegueira da ignorância. Exija de você o mesmo que
você exige dos outros e sempre que possível ensine isso a suas crianças.)
MAD
Esse eu vi antes de sair do forno, e ficou bem escrito.
ResponderExcluirTomara que existam pessoas que acreditam ser uma força para mudar o mundo, mesmo que pareça apenas UM no meio da imensa Multidão.