sexta-feira, 6 de julho de 2012

Mad nA estraDa: Conversando com os olhos




Mad nA estraDa: Conversando com os olhos

Era uma fria manhã de domingo na cidade de Sucre\Bolívia, quando eu e meu amigo decidimos sair para tomar um café. Como em uma típica manhã de domingo, haviam poucas pessoas pelas ruas, bem como poucas alternativas para fazer o desjejum. Por isso eu e meu amigo decidimos comprar algumas coisas no mercado público e ir até uma pracinha que havia ali perto. Assim poderíamos, enfim, degustar nosso despretensioso café da manhã dominical debaixo dos ainda tímidos raios solares.

Entre uma mordida e outra do biscoito que havíamos comprado, avistamos, do lado oposto ao nosso da pracinha, um senhor solitário, com vestes bastante batidas, também degustando um biscoito. Provavelmente aquele senhor deveria morar ali mesmo, naquela pracinha, ou em algum lugar nas redondezas.

Percebi que entre uma mordida e outra ele também nos observava com um olhar aparentemente convidativo. Assim que ele terminou de comer o biscoito, fiz aquele gesto universal que todos fazem quando querem oferecer algo, ou seja, ergui o biscoito que eu tinha na direção dele como quem diz: “vai mais uma aí?” Ele fez um discreto sim com a cabeça e eu fui até o banco onde ele se encontrava sentado e entreguei-lhe o biscoito.

Depois disso, voltei para o banco onde estava meu amigo e continuei fazendo meu desjejum. Porém, não conseguia tirar os olhos daquele senhor, e ele também continuava a nos observar. Quando nos demos conta de que ele não estava bebendo nada, fizemos mais uma vez o mesmo gesto para oferecer algo, porém, desta vez, oferecemos um iogurte que estávamos tomando. E mais uma vez ele aceitou fazendo um discreto sim com a cabeça.

Neste momento, eu e meu amigo nos levantamos e fomos entregar o iogurte àquele senhor, mas, desta vez, fizemos diferente. Perguntamos a ele se ele se importaria de dividir o banco e, consequentemente, a companhia do café da manhã conosco. Mais uma vez ele apenas balançou a cabeça afirmativamente. Até então ele não tinha dito nenhuma palavra sequer, nem mesmo um “muchas gracias”.

Da forma mais simples possível, decidi tentar quebrar todo aquele silêncio e fiz-lhe uma pergunta na qual a resposta exigiria mais que um simples gesto de sim ou não com a cabeça. Perguntei-lhe qual era o seu nome. Ele respondeu com uma voz tão baixa que se eu não tivesse esperando por alguma resposta, provavelmente eu nem a escutaria. Acredito que ele mais pensou do que vocalizou a resposta. Seu nome era Ernesto. O mesmo nome daquele revolucionário argentino que morreu anos atrás nesta mesma Bolívia.

Este Ernesto, o senhor da pracinha, não estava morto, mas o que pude perceber ao olhar fundo nos olhos dele é que ele também não estava vivendo, estava apenas sobrevivendo. E sobreviver é muito diferente de viver. Sobreviver é estar morto com a aparência de vivo.

Enquanto tomávamos nosso café, dialogávamos algumas coisas, se é que era possível considerar aquilo um diálogo. As respostas eram sempre curtas e com uma voz quase inaudível. Por um momento cheguei a pensar que aquele homem não deveria falar há muito tempo e, por isso, suas respostas eram mais com os olhos do que com as palavras. Provavelmente ele também aprendeu a ver as perguntas nos olhos das pessoas, por isso nos lançava aquele olhar convidativo como quem dizia, “podem sim chegar até aqui!” Um homem que aprende a dialogar com os olhos certamente é um homem que já se decepcionou muito com as palavras. Pelo menos com as palavras faladas. E, assim, seguiu-se este suposto diálogo por alguns minutos. Sempre com as melhores respostas chegando dos olhos muito mais do que da boca.

Ao me despedir não falei nada. Preferi usar a forma de comunicação que parecia ser a preferida daquele senhor, ou seja, o olhar. E com os olhos tentei dizer: “foi um prazer conhecê-lo”. Como resposta, recebi o mesmo olhar que ele dirigira a mim quando lhe entreguei o biscoito e o iogurte. Acho que aquele era o olhar que dizia: “muchas gracias!”.

MAD


2 comentários:

  1. Muito bom o texto... você consegue estar junto na Bolivia através dele. Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  2. muito bom . muitas coisas são ditas com apenas um breve contato...

    ResponderExcluir

E você, em que universo está?